terça-feira, 5 de setembro de 2006

Um caminho inglês até Santiago de Compostela...

O caminho iniciou-se na cidade portuária de Ferrol, no norte da Galiza. O desafio de percorrer o Caminho Inglês que conduz a Compostela era irreprimível e inegável.


Após uma primeira hesitação e um ensaio falhado, incapaz de ignorar os apelos do Caminho, regressei ao noroeste da peninsula para uma semana de aventura. Temos de concordar que uma semana a seguir setas amarelas, perseguir monolítos de granito desconhecidos, com vieras alguns até com indicação quilométrica é um rebuçado irresistível. Especialmente pelo facto de se ir sozinho, sem companhia a atazanar por se beber una caña sempre o esforço exigia uma hidratação rigorosa com aguinha del caño!


O inicio espiritual da viagem ocorreu num edificio religioso onde se realizava uma missa. Era demasiado grandioso e arredondado para ser a igreja normal, mas demasiado pequeno e discreto para ser uma catedral: obviamente (embora não tão óbvio para mim na altura) que era a co-catedral da cidade. A decoração interior era magestosa (à semelhança de a maior parte dos locais sagrados que conheci durante as minhas andanças pela Galiza), sendo o altar uma representação do livro da Revelação de São João. No topo um cordeiro (com quem simpatizei imediatamente) guardava o livro da Vida, e velava pelos sete selos que o rodeavam.


Em relação ao caminho português uma primeira evidência surgia: a presença do mar, que fiel e regularmente surgiria do meu lado direito até me encontrar a menos de sessenta quilómetros de Santiago, e que contrabalançava o sol à minha esquerda. A segunda evidência (a mediocre marcação do Caminho) surgiu mais subtil e inesperada, desencaminhado-me literalmente, e literalmente obrigou-me a chafurdar na lama da ria de Ferrol, por entre barcos encalhados entre o cinzento dos calhaus arredondados e o verde do moliço que se acumulava por cima da linha d'agua.


A terceira evidência só a descobriria na madrugada seguinte: o percurso é extremamente caracterizado por constantes subidas e descidas, aliadas a uma enorme distância entre os albergues disponibilizados pelas entidades administrativas competentes. Mas essa questão é uma questão menor quando nos encontramos numa baia pantanosa, com os pés a enterrarem-se em lama fedorenta e sem saída aparente. Naquele momento as subidas e descidas de montes e colinas eram uma realidade desconhecida...


...A minha realidade era estar constantemente atascado em lama, com uma mochila às costas e rodeado por encontas pejadas de silvas e matagal cerrado. Uma das hipóteses seria voltar atrás, e subir pelo pseudo-trilho sinuoso pelo qual havia descido (mas se descer já foi uma sorte.... como seria subir??); a outra era seguir até encontrar algum local por onde os pescadores costumassem descer para aceder às suas embarcações -pois estas estavam amarradas à margem, indício de não haviam sido simplesmente abandonadas à deriva nas águas- (agora que escrevo penso, com a distâcia de quilómetros e vários dias de repouso, que possivelmente os utilizadores dos botes simplesmente acediam através de outro barco!!).

Caminhei, caminhei, chafurdei, e caminhei mais um pouco, até que cheguei ao ponto em que a argamassa de lama, seixos e verdum mal-cheiroso deram lugar a uma pequena elevação rochosa. Subi, e caminhei cuidadosamente, escorreguei e equilibrei-me, andei mais, deixando para trás a baia até que a rocha mergulhou nas águas. Restava-me nadar por entre aquelas águas repletas de microalgas cujo odor já se tinha entranhado no meu corpo, voltar atrás ou aventurar-me a subir os dez metros de areia e arbustos, na zona onde estes eram menos densos, exactamente por debaixo de uma torre de alta tensão. Em nome da sensação de aventura, e no espirito da recusa em recuar no Caminho subi, subi, e subi até me encontrar novamente longe daquelas malfadas margens.

Rencontreei as marcações do caminho poucos metros à frente, e atravessei um moinho de maré, para entrar em Neda, aldeia a doze quilómetros de Ferrol, e o local da minha primeira pernoita. Depois disso foram mais três etapas (20 km até miño; 38 até bruma; 43 até Santiago de Compostela), mas poucas fotografias existem, apenas boas memórias da simpatia das gentes Galegas e dos (poucos) peregrinos cujos Camiños cruzei.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá:
Com alguns anos de atraso, penso fazer o mesmo caminho ingles....espero não me perder para não ter que balançar entre algas e lama mal cheirosas...
...parabens pelo esforço !
MBF

Marbelha disse...

.... Escorregadelas...?
Subir e descer..?? lama mal-cheirosa?
- ai meu Deus e quero eu ir fazer esse percurso também...
- Veremos como se vou safar este ano.
- Gostei de ver !
Marbelha